"Fazer brotar no peito algo que nunca se viu" - FELIPE EUGÊNIO

Confira o prefácio de Felipe Eugênio para o livro "Releituras Afrofuturistas - Vol. 1 - O Imortal"


A Imortal, de Sabine Mendes Moura, é um conto que se propõe a reformar a malha do tempo. Afro Filosoficamente, é importante ressaltar. “A Imortal” nos apresenta uma dimensão cruzada ao conto “O Imortal”, de Machado de Assis, e nisso, em sua releitura, desenha um quadro interessantíssimo: há lutas - e até vitórias - de sujeitos invisíveis na história que conseguem derrotar seus algozes, apesar deles viverem sob holofotes e sobre privilégios. Curtimos assim um bom sabor na sabotagem.


Machado de Assis deveria ser mais reconhecido por seus momentos literários que oscilam entre a ficção científica e o realismo fantástico. Nos seus contos poderíamos dar destaque para O Capitão Mendonça, A Igreja do Diabo ou O Espelho, mas se invadirmos um outro continente literário que o constitui, sua obra romanesca, Machado também deu grande demonstração de que seu imaginário consegue fabricar histórias entre o surrealismo e cyberpunk. No capítulo “O delírio”, de Memórias Póstumas de Brás Cubas, temos um hipopótamo que se faz máquina do tempo e um tempo que parece ser máquina de triturar a consciência de seus navegantes. Essa aposta literária reflete certo elogio à ciência no século XIX. Uma ciência na chave positivista, é verdade - mas que também encontrou bons resultados na ficção de Mary Shelley, Eça de Queiroz e Julio Verne. 


E aqui entra a grande contribuição da Sabine: no exercício de sobrepor à estrutura do conto machadiano uma criação contemporânea, seu conto detém graça ao compartilhar conosco a atualidade de uma ficção científica com um autor de dois séculos atrás. Ela não escreve uma mera adaptação para o presente. Muito menos imprime vantagem - apesar do avanço da tecnologia - dos tempos atuais sobre o passado. A história se faz palatável tanto lá quanto cá porque em ambas segue vivo o espanto. E isso é mérito da autora, que aplicou frescor afro à inspiração do conto de 1882. Em “A Imortal”, as marcas do século XXI se apresentam na linguagem - onde Sabine acerta e cria verdade para as personagens logo de cara. O recorte de classe aproxima o trio que ciranda suas atenções para dentro da história da personagem imortal, e daí aprendemos que os maneirismos contemporâneos não interferem no esquema machadiano, outrossim revelam os mecanismos úteis para criar velocidade e depois retardo ao ritmo de um conto. 

Sabine Mendes Moura traz um ponto de vista enegrecedor. Entramos dentro de Palmares e achamos lá uma aurora matriarcal após o histórico ataque à comunidade guerreira. Nessa jornada encontramos também a personagem machadiana. Estamos num conto, querida leitora, querido leitor, queride leitore, que nos oferece um embate de imortais. Nova lição de Sabine: onde enegrecemos a perspectiva, o protagonismo e os personagens secundários, muitas das vezes chegamos ao aumento da chama criativa nas descrições tecnológicas. O enegrecimento na ficção, e sou grato a Sabine por isso, aumenta em muitos andares o edifício futurista, nos semeando novas idéias ao imaginário sobre o que, até então, desconhecíamos. Sabine fez brotar em meu peito algo que nunca tinha visto. Em minha vida de leitor e de editor, nunca entendi tão bem o afrofuturismo como agora. Pisca o búzio futuro.


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