#DiáriodeBordo - Ubuntu_2048
Raphael Silva
Quem não me conhece nem imagina o quão travado eu sou. Sempre fui extremamente introvertido e geralmente eu não consigo terminar nenhuma fala sem gaguejar, mas desde sempre gosto muito de escrever. Colocar uma palavra atrás da outra até ter uma história é, pra mim, a coisa mais terapêutica desse mundo e eu percebi que essa é a forma em que eu me sinto mais seguro pra expor o que sinto e me comunicar.
O Ubuntu 2048 começou no início de 2019 como esse passatempo/desabafo/terapia e de repente virou o projeto mais desafiador em que eu já mergulhei.
Na época eu tinha acabado de conhecer o trampo da Octavia Butler e este foi o momento em que a minha adição pela Ficção - principalmente a afrocentrada - se tornou um caminho sem volta. Eu já estava experimentando a escrita e consumindo muita ficção e fantasia, então foi natural começar a escrever sobre isso, sem muita expectativa.
Com o meu primeiro pequeno conto em mãos, sobre uma amizade inesperada com uma androide em uma cidade cruel que desde o começo eu batizei de Ubuntu2048, o algoritmo do Facebook não perdeu tempo e me mostrou a chamada que a Kitembo havia divulgado para a antologia afrofuturista “O futuro é nosso”.
Pra minha surpresa eles me retornaram com uma leitura crítica super atenciosa que me encheu de esperança, mas não só isso. Eu jamais imaginava que me fariam a proposta de transformar aquele mini conto que não tinha nem 10 páginas em um livro inteiro durante o ano.
Quase desmaiei? Claro. Mas obviamente aceitei o convite e de repente me vi em uma rotina doida trabalhando, estudando e escrevendo o meu primeiro livro.
A responsa foi grande. Trabalhar sem prazos é bom porque você pode aprimorar as coisas com calma, pensar em todas as possibilidades pra fazer as melhores escolhas e trabalhar pra criar algo perfeito. Mas, pelo menos pra mim, o bom de trabalhar com um prazo é que no final você entrega alguma coisa, de fato.
Reunião que definiu Ubuntu 2048
Nessa rotina puxada, no tempo que sobrava para consumir algum entretenimento eu percebi que quando tentava ler algo pra me entreter eu sempre acabava pegando no sono poucas páginas depois. E com muita gente é assim. Então meu objetivo era escrever algo que não deixasse o leitor dormir e fosse tão divertido quanto ver um filme ou jogar um videogame (e eu confesso que escrever, apesar da correria foi divertido assim).
Daí saiu essa história eletrizante, acelerada (às vezes corrida), com muita ação, aventura e uma provocação grudada na outra.
Eu acho que deu certo. Minha mãe disse que só dormiu algumas vezes durante a leitura... E eu espero que não tenha ficado muito confuso.
Fui experimentando e aprendendo sobre estruturas, arquétipos, narrativas, jornada de herói e essas paradas da escrita enquanto fazia e, naturalmente, tive que cortar muita coisa que eu gostaria de ter escrito e reescrever muita coisa do que eu cortei.
Meu maior desafio nesse processo foi quando eu percebi que estava escrevendo uma história com elementos de distopia ao mesmo passo em que a própria realidade que a gente vive nesse Brasilzão parece pior, mais cruel e mais maluca que qualquer ficção. A gente já está calejado com tanta violência, exploração e injustiça no cotidiano e talvez por isso a Salvadora que eu criei para o livro não tenha ficado tão assustadora quanto eu idealizei. Daí resolvi mudar o foco para os personagens e dedicar uma atenção a mais nas interações entre eles.
Enquanto isso, a Inara Régia, a artista que presenteou o Ubuntu com aquelas ilustrações fantásticas já estava trabalhando nos conceitos gráficos e nos personagens e ela acertou em cheio tudo o que eu estava imaginando quando escrevi. Ver aquelas palavras que saíram da minha cabeça virando algo cada vez mais concreto foi emocionante demais.
E em um piscar de olhos o ano passou, uma pandemia chegou e eu quase não consegui acreditar quando segurei um livro com meu nome na capa pela primeira vez.
Eu não sei de onde veio a fé que a Kitembo botou em mim, porque nem eu boto tanta fé em mim assim, mas só queria agradecer de todo o meu coração por darem essa chance para um escritor de primeira viagem, com absolutamente zero publicações no mundo estrear com um trabalho deste.
Quando o Ubuntu 2048 ainda era conto eu vi essa frase da Carolina Maria de Jesus onde ela manda dizer ao povo brasileiro que o sonho dela era ser escritora, mas ela não tinha dinheiro pra pagar uma editora.
Eu, que não chego aos pés do talento que a mulher tinha, só posso me sentir honrado e emocionado demais em saber que tipo 50 anos depois eu sonhei o mesmo sonho e consegui realizar.
Obrigado pra quem leu o Ubuntu, obrigado pra quem acreditou e botou fé em mim. Tamo junto sempre!
*Não leu ainda? perde tempo não... Pede o seu lá: https://editora-kitembo.lojaintegrada.com.br/ubuntu-2048-raphael-silva-inara-regia-isdruxula-frete-incluso
*Já leu? Poxa, eu tô morrendo de curiosidade pra saber o que você achou! Faz um post lá no instagram e me marca (ubuntu2048) pra gente trocar uma ideia!