Nunca antes se mostrou tão necessário e importante darmos respaldo a uma literatura que habite a esfera do realismo e surrealismo mágico e ou fantástico. Agora, as ricas folhas de imaginários retroalimentadas em cenários deslumbrantes e criaturas míticas, ganharam muito mais relevância e notoriedade por todas as pessoas. Nos últimos 5 anos tivemos uma variedade enorme de adaptações cinematográficas pautadas em diversas obras literárias, HQs e Graphic Novels voltadas aos subgêneros da ficção especulativa, que vão desde a fantasia, ficção científica, ao horror, suspense e thriller psicológico.
Estamos em um solo consideravelmente fértil para as várias sementes do afrofuturismo germinarem e prosperarem cheias de vitalidade, seja em nosso país, ou em outras partes do mundo. Algo inédito tem chamado a atenção do amplo mercado editorial delineado em seus muitos pólos e nichos. Hoje, mais do que nunca, os consideráveis públicos-alvo, têm voltadas suas atenções para tramas que, além de nos enriquecer culturalmente com sérias discussões que nos permitem autorreflexões, devem permear por estradas que possibilite entreter o leitor nos fazendo ser literalmente projetados a outras realidades completamente adversas a nossa, seja para escapar dos ditames de uma vida igualmente distópica e pregressa ou para beber daqueles cenários fantasiosamente arrebatadores ou da natureza mágica de personagens cativantes que compõem enredos ricamente ficcionais de tão vivos e imagéticos.
Os tantos Brasis naturalmente decoloniais e panafricanistas, de afrofuturos criativamente construídos e apresentados por vários autores negros, terão a chance de serem visitados e agora ganharão maior repercussão e admiração por uma vasta comunidade formada de ávidos leitores. Uma crescente movimentação de muitas mentes fomentadoras pelo universo do fantástico têm ditado os passos de por onde as editoras devem prosseguir se quiserem encontrar um maior número de consumidores para seu acervo de obras. Editoras que não possuem selos voltados à literatura fantástica estão cada vez mais se tornando quase obsoletas ou no mínimo, bem menos procuradas, já que no momento, uma massante comunidade formadora de opiniões, e mesmo àqueles grupos mais cults, estão fortemente representados por pessoas que consomem obras de ficção especulativa.
Uma prova viva e bem recente de que a literatura fantástica passou a ser vista com outros olhos por uma “academia classista”, se torna evidenciada à medida que notamos um crescente número de concursos literários e outras premiações destinados ao estilo, conquistando inclusive o respeito de grandes organizadores voltados à premiações literárias como é o caso do Prêmio Jabuti com a inclusão da ainda recente categoria destinada ao romance de entretenimento ou ainda o Prêmio Geek de Literatura, que agora em 2021 teve sua primeira edição em uma parceria inédita entre a Amazon, Omelete e a editora Pipoca & Nanquim que premiaram com R$ 10.000,00 (dez mil reais) os vencedores participantes de duas categorias: livros e HQs.
A literatura de ficção especulativa, que não deve ser confundida com obras de ficções literárias, acaba de conquistar seu espaço e mostra que veio para ficar. O mesmo estilo de literatura outrora referenciada em alguns espaços como baixa literatura ou literatura de nicho, termo este um tanto quanto pejorativo e inapropriado diga-se de passagem, diante do alto nível de complexidade e aprofundamento filosófico com que vêm sendo praticado hoje em dia observado pelos autores destas obras dignas de admiração por muitos, que nos apresentam em seus universos literários a infusão de questionamentos muito bem elaborados e discussões complexas de cunho filosóficos ou sócio-políticos que deixam muitos estudiosos modernistas de acepções futuristas e demais pensadores da contemporaneidade de boca aberta.
Agora fazendo uma alusão à ideais de um resgate e fortalecimento a afrocentralidade ou afrocentricidade no meio editorial é chegado o momento de caminharmos em busca por uma brasilidade literária mais igualitária, justa, representativa e libertária e consequentemente se fazendo necessário um combate ao epistemicídio do pensar ideológico africano e afrodiaspórico diante das incontáveis e tão consideráveis epistemologias africanas e demais sistemas epistêmicos panafricanistas que conversam diretamente com temáticas que habitam variadas esferas do fantástico e imagético como aquelas voltadas a espiritualidade africana, e que acabam muitas das vezes sendo podadas ou denegridas, quando tentam encontrar apoio ou apreciação por parte de muitas casas editoriais brasileiras, que até publicam nacionais, mas que infelizmente ainda repousam em certos ditames de um racismo estrutural velado, apresentando perfis de apoiadores das políticas antirracistas, mas quando vamos buscar as obras do acervo, não encontramos sequer um autor negro.
Encontramos uma solução imediatista para este agravante quando fazemos um recorte específico para o grande desempenho que as chamadas afrofuturalidades conscienciais vêm praticando através de mentes afrocentristas visionárias. Observamos o surgimento de autores afrofuturistas e africanofuturistas em larga escala espalhados por várias partes do globo nas últimas décadas, que não apenas conseguiram publicar suas obras em grandes editoras tradicionais de renome, mas além disso colecionaram as maiores premiações literárias do mundo e que agora lhes renderão diversas adaptações cinematográficas com distribuições nos maiores serviços de streaming que na atualidade nunca estiveram tão em evidência e em roga.
Nomes como Octavia E. Butler, Nnedi Okorafor, N. K. Jemisin, Marlon James, Tomi Adeyemi e outros, chamaram a atenção da indústria e deram publicidade ao afrofuturismo no mainstream nos últimos anos e isso causou um reflexo muito positivo e animador para o mercado editorial brasileiro permitindo que algumas editoras tradicionais começassem a publicar não só as obras destes mesmos autores como alguns afro-brasileiros e paralela e concomitantemente, notamos uma forte reação de novas editoras afrocentradas de porte médio, pequeno e grande como a Kitembo, Ananse, Nua e Male e outras que desempenham neste exato momento um papel fundamental na difusão do afrofuturismo com a publicação de autores negros, uma “minoria” que na verdade representa a maioria da população brasileira, mas que ainda se mostra marginalizada, tendo suas obras afrofuturistas invisibilizadas, encontrando meios dificultosos e muita resistência para inserção no mercado editorial, o que acaba obrigando à muitos destes escritores afrodescendentes a buscarem métodos para uma publicação independente ou a autopublicação.
Estamos no auge do surgimento de uma nova realidade, a um só passo da manifestação e do alcance do afrofantástico em larga escala no meio literário nacional. É tempo para comemorar.
Willian Douglas
Autor, leitor e Modelo